História
de um "Gato" meu:
Búzi - Sofala -
Moçambique - 1955
Encontro
Eram 19 horas de uma noite escura como breu. Lá fora chovia a potes como
só acontece em África, e reinava uma daquelas tempestades de se lhe
tirar o chapéu com relâmpagos e trovões, tudo ao mesmo tempo.
O meu pai entrou em casa todo ensopado, apesar do seu oleado negro, com
o guarda-chuva todo retorcido pela força do vento numa das mãos, e na
outra com uma gaiola improvisada de bambú. E o que vinha lá dentro?...
um "gatinho"!!!
E que gato... ainda estava eu a meio metro e já ele se assanhava todo.
Nos dias que se seguiram a minha mãe tratou dele, entre arranhadelas e
dentadas, como só ela sabia fazer com os vários animais domésticos que
íamos tendo. Cão, gato, macaco e papagaio, às vezes repetidos. Pois é...
o gato e o cão que na altura tínhamos bem depressa tiveram de "mudar de
casa" pois não tinham hipótese alguma de existirem. Questões de
território... disse o "gato". Engraçado que nesses primeiros dias ele
miava muito, isto é miUava, não miAva. Fazia "miúi...miúi..." era um
miar estranho (pensava eu) e foi por essa razão que se chamou Miuinho.
Relação
Mais
tarde, quando o "bicho" já era enorme, explicaram-me que o "gato" era
uma Chita macho. Minha mãe alimentava-o com a comida mais variada mas,
carne e peixe sempre cozinhados. Outro pormenor importante para o
desenrolar desta história é que o Miúinho só comia se fosse a minha mãe
a dar-lhe os alimentos. De qualquer outra pessoa mesmo eu, o meu irmão
ou o meu pai... nem pensar. Dormia no ombral da porta do nosso quarto.
Enquanto eu e o Tónando (meu irmão) dormíamos só os meus pais é que
tinham "ordem" de entrar no quarto. Mesmo assim, só passando por cima
dele... pois não se arredava! Era o que minha mãe nos contava.
Brincar connosco, era o dia todo. Nessa altura eu com 5 anos e o Tónando
com 3,5 anos de idade, descobrimos como era bom andar a cavalo... no
Miúinho é claro. O meu irmão arrancáva-lhe os "bigodes" volta e meia
(coisas dos três anos de idade que lhe mereciam umas palmadas da mâe), e
ele gemia e fugia.
Jogar
à bola era a sua brincadeira preferida. O Miuinho ficava sempre "à
baliza" e não deixava marcar golos! Só quando passámos a usar uma bola
de ténis é que conseguímos marcar alguns golitos. Que pena naquela época
não haver máquinas fotográficas com velocidade de abertura rápida.
Seriam umas fotos fantásticas... ou então se se conseguisse "fotografar"
as imagens de que ainda me lembro... talvez um dia.
Passeava na rua com trela para que as pessoas se sentissem seguras, não
por necessidade real. Nunca fez mal a ninguém... humano é claro. Um dia
por provável "necessidade da vida" pirou-se de casa. Foi o pânico geral.
O meu pai procurou-o pelos arredores da vila durante três dias. Ao 2º
dia já estava a pagar a um vizinho duas galinhitas que o pequeno comera.
Balanço final da fuga: Três galinhas e um cabrito pequeno... disse o meu
pai! Mas... comeu tudo... não esbanjou nada! Voltou feliz como nunca
pela mão do meu pai. Este dera com ele no cemitério local... sitio onde
havia paz e sossêgo.
Desenlace
Quando
o Miuinho tinha cerca de dois anos e tal, a minha mãe adoeceu seriamente
e teve de ser evacuada e internada numa clínica em Umtáli, fora de
Moçambique. Eu e o Tónando acompanhámo-la com os meus padrinhos, tendo o
meu pai ficado em casa. Quinze dias depois de estarmos em Umtáli
recebemos um telefonema do meu pai avisando-nos que, como a minha mãe
ainda não podia regressar, teria de abater o nosso "gatinho" pois ele
nunca mais tinha comido nada desde que a minha mãe saira. Começava a dar
grandes sinais de agressividade e ferocidade devido à fome. E lá ficámos
sem o Miuinho por causa da greve da fome que ele fez. Coitado! A
lealdade e a paixão são assim...
:-((
FIM
Victor Coimbra
... com o que me resta da lembrança.
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